Aos 90 anos, Fernanda Montenegro representa o ícone da cultura brasileira
Com repertório inquestionável, a atriz é símbolo da ética profissional e da construção artística
Por Jane Freitas
Se falar em Fernanda Montenegro já é uma responsabilidade enorme perante uma atriz que pode ser comparada a uma estrela da mais alta grandeza, imagine escrever sobre ela. Há que se refletir muito, juntar as palavras e pesá-las em uma balança, analisá-las minuciosamente, para enfim, bater o martelo se estão à altura de uma das mais consagradas mulheres que transformaram a arte e a cultura nacional.
Fernanda nasceu Arlette Pinheiro Esteves da Silva. Casou-se com o ator Fernando Torres, em 1953, com quem teve dois filhos: Cláudio Torres e Fernanda Torres.
Exemplo da verdadeira dramaturgia, Fernanda deu início à carreira aos 15 anos, na Rádio MEC, como locutora.
São 75 anos de trabalho e 90 de vida, de histórias.
Fernanda Montenegro é também a nossa homenageada durante a comemoração dos 20 anos do Cineclube Lanterna Mágica, da Universidade Santa Cecília – Unisanta.
A atriz que embala o espectador em atuações intensas e poéticas faz do cinema brasileiro uma jóia rara, sendo cada vez mais lapidada ao permitir que o seu brilho se propague, por meio do encanto da ficção que se mistura à realidade.
Fernanda é essa visibilidade do imaginário e do real, da arte expressiva e única.
E é nessa expansão em prol da imersão em vivências e narrativas, que o Cineclube, há duas décadas, também constrói a sua história, enraizada na visibilidade da educação artística projetada por meio da magia do cinema.
Primeira atriz a ser contratada em 1951 pela TV Tupi, Fernanda Montenegro sempre demonstrou verdadeiro talento para as artes. Defensora da cultura, sua personalidade de imensurável competência, ética e seriedade faz sua voz ser ouvida, impecavelmente, pela sociedade brasileira.
Além do rádio, tevê e teatro, Fernanda Montenegro não mediu fronteiras, e expandiu seu brilho também para as telas do cinema.
O caminho para a sétima arte foi ainda pela década de 1960. Entre os inúmeros filmes que a atriz atuou estão A Falecida, de 1964, A Hora da Estrela, de 1987, Veja Esta Canção, de 1997, Central do Brasil, de 1998, O Auto da Compadecida, de 2000 e Olga, de 2005.
O sucesso, reflexo de inquestionável talento, sempre acompanhou Fernanda em todos os trabalhos.
Desde 1955, prêmios, indicações e comendas passaram a fazer parte da carreira da atriz. Resultado de impecáveis atuações no mundo artístico e de sua determinada defesa à manifestação da cultura.
Foi a primeira brasileira e latino-americana indicada ao Óscar e ao Globo de Ouro de melhor atriz. Recebeu o Urso de Prata no festival de Berlim; Menção Especial no Festival de San Sebastian, Espanha; Medalha de Mérito Cultural, Portugal; Grã Cruz Nacional do Mérito; Entre outros. Uma lista verdadeiramente extensa de premiações louváveis e merecidas.
Em 90 anos de vida e 75 de carreira, Fernanda Montenegro esbanja simpatia, amor pelo trabalho, autenticidade, criatividade e uma lucidez para mais 90 anos.
A atriz é o símbolo da cultura, da arte e da história, tão nossa, tão brasileira, mas que também permitiu que a sua luz fosse refletida para o mundo, através das grandes telas, carregando consigo, uma parte de cada um de nós.
Olhares
Se uma imagem fala mais que mil palavras, imagine um olhar. Olhares expressam sentimentos, verdades, transparência. Não é atoa dizerem que “os olhos são o espelho da alma”.
Há profundidade no olhar. Eles são capazes de emocionar, de nos manter atentos a determinada ação, evento ou pessoa. São capazes de nos fazer sorrir, chorar ou sentir medo, pavor.
Assim são os olhares de Fernanda Montenegro: fortes, intensos, profundos, sentimentais. Independentemente do texto proclamado em cada trabalho, lá estão eles também falando – e falando muito – diga-se de passagem.
É impossível não dar atenção a ambos. São magnéticos. Seja de sua personalidade autêntica, seja de sua maestria profissional. Os olhares de Fernanda falam por si.
No filme Central do Brasil, de 1998, a personagem Dora, uma professora aposentada que escreve cartas para analfabetos, transmite os diversos contrastes dos olhares humanos, fortes, indiferentes, preocupados, ansiosos, amorosos, tristes e ternos. Dora se mostra um poço de desejos, de carências, ausências, medos cobertos por uma máscara de ferro. Contudo, ao conhecer o pequeno Josué, se vê obrigada a retirar a armadura, armadura há tempos cobrindo o coração e a alma, mas, em nenhum momento, o olhar.
Nos olhares de Fernanda Montenegro se enxerga a essência, a verdade, os mais intensos sentimentos. Nas grandes telas ou no teatro eles não reconhecem a ficção. Sempre serão os olhos da verdade.